quarta-feira, 22 de abril de 2009

PALAVRAS - ADRIANA FALCÃO


PALAVRAS

As gramáticas classificam as palavras em substantivo, adjetivo, verbo, advérbio, conjunção, pronome, numeral, artigo e preposição.

Os poetas classificam as palavras pela alma porque gostam de brincar com elas e pra brincar com elas é preciso ter intimidade primeiro.

É a alma da palavra que define, explica, ofende ou elogia, se coloca entre o significante e o significado pra dizer o que quer dar sentimento às coisas, fazer sentido.

Nada é mais fúnebre que a palavra fúnebre.

Nada é mais amarelo do que o amarelo-palavra.

Nada é mais concreto do que as letras c.o.n.c.r.e.t.o, dispostas nessa ordem e ditas dessa forma, assim, concreto, e já se disse tudo, pois as palavras agem, sentem e falam por elas próprias.

A palavra nuvem, chove.

A palavra triste, chora.

A palavra sono, dorme.

A palavra tempo, passa.

A palavra fogo, queima.

A palavra faca, corta.

A palavra carro, corre.

A palavra palavra, diz o que quer. E nunca desdiz depois.

As palavras têm corpo e alma, mas são diferentes das pessoas em vários pontos. As palavras dizem o que querem, está dito, e ponto.

As palavras são sinceras, as segundas intenções são sempre das pessoas.

A palavra juro não mente.

A palavra mando não rouba.

A palavra cor não destoa.

A palavra sou não vira casaca.

A palavra liberdade não se prende.

A palavra amor não se acaba.

A palavra idéia não muda. Palavras nunca mudam de idéia.

Palavras sempre sabem o que querem.

Quero não será desisto.

Sim nunca jamais será não.

Árvore não será madeira.

Lagarta não será borboleta.

Felicidade não será traição.

Tesão nunca será amizade.

Sexta-feira não vira Sábado nem depois da meia-noite.

Noite nunca vai ser manhã.

Um não serão dois em tempo algum.

Dois não serão solidão.

Dor não será constantemente.

Semente nunca será flor.

As palavras também tem raízes, mas não se parecem com plantas, a não ser algumas delas: verde, caule, folha, gota.

As células das palavras são as letras. Algumas são mais importantes que outras.

As consoantes são um tanto insolentes. Roubam as vogais pra construírem sílabas e obrigam a língua a dançar dentro da boca. A boca abre ou fecha quando a vogal manda.

As palavras fechadas nem sempre são mais tímidas. A palavra sem-vergonha está aí de prova.

Prova é uma palavra difícil.

Porta é uma palavra que fecha.

Janela é uma palavra que abre.

Entreaberto é uma palavra que vaza.

Vigésimo é uma palavra bem alta.

Carinho é uma palavra que falta.

Miséria é uma palavra que sobra.

A palavra óculos é séria.

Cambalhota é uma palavra engraçada.

A palavra lágrima é triste.

A palavra catástrofe é trágica.

A palavra súbito é rápida.

Demoradamente é uma palavra lenta.

Espelho é uma palavra prata.

Ótimo é uma palavra ótima.

Queijo é uma palavra rato.

Rato é uma palavra rua.

Existem palavras frias como mármore.

Existem palavras quentes como sangue.

Existem palavras mangue, caranguejo.

Existem palavras lusas, Alentejo.

Existem palavras itálicas, ciao.

Existem palavras grandes, anticonstitucional.

Existem palavras pequenas: microscópio, minúsculo, molécula, partícula, quinhão, grão, covardia.

Existem palavras dia: feijoada, praia, boné, guarda-sol.

Existem palavras bonitas: madrugada.

Existem palavras complicadas: enigma, trigonometria, adolescente, casal.

Existem palavras mágicas: shazam, abracadabra,pirlimpimpim, sim e não.

Existem palavras que dispensam imagens: nunca, vazio, nada, escuridão.

Existem palavras sozinhas: eu, um, apenas, sertão.

Existem palavras plurais: mais, muito, coletivo, milhão.

Existem palavras que são palavrão.

Existem palavras pesadas: chumbo, elefante, tonelada.

Existem palavras doces: goiabada, marshmallow, quindim, bombom.

Existem palavras que andam: automóvel.

Existem palavras imóveis: montanha.

Existem palavras cariocas: Corcovado.

Existem palavras completas: elas todas.

Toda a palavra tem a cara do seu significado. A palavra pela palavra, tirando o seu significado fica estranha. Palavra, palavra, palavra, palavra, palavra, palavra, palavra, palavra, palavra, palavra, palavra, palavra, palavra, palavra, palavra, palavra não diz nada, é só letra e som.

Adriana Falcão

10 comentários:

Patti disse...

Muito bonita esta definição de cada palavra e muito real, apesar de nem sequer pensarmos nela.

E todas juntas, bem ligadas e pontuadas, contam histórias e por vezes transformam-se em Livros.

Lucia Luz disse...

Patti

Acho esse texto uma preciosidade. è daqueles que vc olha e diz: eu adoraria tê-lo escrito.
As palavras tem poder e carregam nelas mesmas uma força incrível

Anônimo disse...

Este seu post fez-me lembrar um que escrevi há tempos lá no Rochedo e que provavelmente nuca leu. Se quiser dar-se a essa maçada, aqui fica o link:

http://cronicasdorochedo.blogspot.com/2008/06/no-aconchego-das-palavras.html

vabenne disse...

Luz,
Que delícia de texto! Fiquei pensando:nunca tinha dado por isso nem nunca tinha feito essa ligação! E como são importantes as palavras! Tão importantes como o respirar e também nos lembramos disso?
Um beijo

Bacouca disse...

Luz,
Já descobri o que se tem passado com os comentários!
Este último, que aparece "vabenne" sou eu só que o meu mais que tudo, resolveu usar a minha password e quando vim aqui nem reparei!
Agora está tudo em ordem.
Bacouca é Bacouca e Vabenne é o Vabenne!

Luciana disse...

Olá!

Gostei muito desse texto. É o tipo do texto que você lê e vai concordando com cada palavra. Muito bom mesmo!

Uma ótima semana pra você!

Beijos!

Lucia Luz disse...

Carlos querido
Realmente não o havia lido.E adorei lê-lo.Sua escrita mudou um pouco.
E quanto aos textos, eles se parecem sim.
Tenho aqui o meu cantinho de Luz+cia, como o seu rochedo.
beijos sinceros

Lucia Luz disse...

Bacouca
As palavras tem uma força e um poder inimaginável.
Cada dia sinto mais isso.
Por isso devemos ter cuidado com o que falamos....pois atraímos tudinho.
Beijinhos

Lucia Luz disse...

Luciana

Que coisa boa ter você aqui.
Es das Gerais? Terra que amo.
Seja bem vinda. Venha sempre.
Beijinhos

Morel Gustavo disse...

Apesar de aprentar uma narrativa curta , Adriana Falcão consegue uma narrativa cotidiana . Fazendo com os personagens ( palavras) , se comparem aos acontecimentos reais. Mostrando que com poucas palavras , podemos contar muita História