Outro dia escutei a briga de um casal vizinho pelo poder do controle remoto.
A distância pude perceber que eles brigavam muito mais pelo poder, por ter o controle e não pelo controle remoto em si. Me lembrei na hora desse brilhante texto do Luiz Fernando Veríssimo que compratilho com vocês.
Conselhos que mães dão para filhas antes do casamento fazem parte do folclore de todos os povos. Variam de cultura para cultura e mudam com o tempo, pois o que uma filha de antigamente ouvia da mãe, quando havia pelo menos uma presunção de virgindade, era muito diferente do que ouve hoje.
Como não há mais nada a ser ensinado sobre as surpresas e as artimanhas de uma noite de núpcias - a não ser o que a filha pode ensinar à mãe - os conselhos devem tratar de aspectos práticos da vida em comum com um homem.
Ou com um marido, que é o homem no cativeiro, portanto ainda mais perigoso.
Por exemplo.
É importantíssimo estabelecer, desde o primeiro minuto de um casamento, os perímetros de poder de cada um.
- Importantíssimo, minha filha. Escute.
- Estou escutando, mamãe.
- Acabou a lua-de-mel. É o primeiro dia do casamento real. Deste momento em diante vocês não são mais apenas duas pessoas apaixonadas. São coabitantes.
- Certo, mamãe.
- Entende? Coabitantes. Vão ocupar o mesmo espaço e o espaço que define a relação entre as pessoas. Não é a cama. A cama é um espaço para tréguas, negociações, troca de prisioneiros, etc. O verdadeiro espaço em que se decide um relacionamento é fora da cama. É tudo que não é cama. Você está me ouvindo?
- Estou, mamãe.
- Muito bem. É o primeiro dia normal de vocês. O primeiro em que vocês passarão mais tempo fora da cama do que na cama. O dia em que começará a se delinear a rotina do seu casamento, as regras implícitas da sua coabitação.
Você precisa deixar claro o seu perímetro de poder, desde o primeiro momento. Como um bicho marcando, com a urina, os limites do seu território.
- Ai, mamãe!
- O assunto é sério, minha filha. O sucesso ou o fracasso de um casamento dependem deste primeiro momento. Estamos falando da possibilidade do convívio humano. Talvez até da sobrevivência da espécie. Preste atenção.
- Estou prestando.
- Primeiro dia normal. Você precisa definir o seu espaço. Cravar a sua bandeira antes que ele crave a dele. O que você faz?
- Ahn... Ocupo todo o armário do banheiro com as minhas coisas.
- Não.
- Exijo uma linha de telefone só pra mim.
- Não.
- O que, então?
- O controle remoto.
- O controle remoto?!
- Da televisão. Apodere-se dele. É o seu alvo prioritário. Sua primeira ação. Sua cabeça de ponte. Quem domina o controle remoto da televisão, domina o casamento.
- Mas se ele quiser...
- Não deixe. Você está me ouvindo? Defenda a sua posse do controle remoto a qualquer custo. Ceda em outras coisas, ofereça compensações. Mas não largue o controle remoto.
- E se eu tiver que sair e...
- Leve o controle remoto. Durma com ele embaixo do travesseiro, ou acorrentado ao seu pulso. Use-o pendurado no pescoço.
- Como é que eu vou andar com um controle remoto de televisão pendurado no pescoço, mamãe?
- Você quer elegância ou um casamento que dê certo? E quem sabe? Você pode lançar uma moda.
- Não sei...
- Minha filha, ouça o que eu digo. Não faça o que eu fiz. Deixei que seu pai assumisse o controle remoto desde o primeiro dia, e ele nunca mais largou. Minha vida tem sido um inferno. Sabe por quê? Porque minha mãe não me avisou. Ela era do tempo em que essas coisas nem eram discutidas. Deus me livre, falar sobre controle remoto com o meu pai. Ele era capaz de me expulsar de casa.
- Pensando bem, o papai não larga mesmo o controle.
- Seu pai não viu mais de cinco segundos de nenhum programa nos últimos dez anos. Até dormindo ele muda de canal, o dedão não pára. Só posso acompanhar minhas novelas em segmentos de cinco segundos, de cinco em cinco minutos. Confundo tudo. Na outra noite, achei que a Jade estava de caso com um macaco do Discovery Channel.
- Acho que você tem razão, mamãe...
- Pegue o controle remoto, minha filha!
Meses depois:
- Minha filha, eu não queria lhe contar isso, mas seu marido foi visto saindo de um motel ontem à noite.
- Eu sei, mamãe.
- Você sabe?!
- Ele vai sempre que tem futebol. Para ver na televisão.
- Ah, bom. E o controle remoto, minha filha?
- Pendurado no pescoço. E sabe que muitas das minhas amigas estão usando também?
Luis Fernando Veríssimo
8 comentários:
Ih, podem ficar com o controle a vontade. O da Tv, é claro. hehee
boa noite Luz e a dica foi aceita.
Pitanga
Vc não é nada boba né? hehehe
Boa noite! Boa notícia!!!!!!
Oi, Luz!
Bom, acho que não é bem por aí, né? Quer ficar com o controle da televisão? Nem ligo... Não sou fã de televisão mesmo! Mas existe um meio termo em tudo, o respeito pelo espaço do outro. Tudo é conversado e nada pode ser rígido demais. Um casamento não é um contrato cheio de regras e sim uma troca, onde deve haver harmonia, equilíbrio.
Beijos, querida!
Oi Luzcia querida,
eu gosto muito dos textos do Veríssimo, já gostava da literatura do Pai *Érico Veríssimo e o Luis acho que tem uma pimenta diferente, pois utiliza muito do humor para escrever suas crônicas, aqui no Sul ele é uma grande referência para nós.
E este texto do controle remoto está ótimo!!!! Acho que o ideal para o casal, é cada um ter a sua TV.. assim cada um assiste o seu programa sem estress!!
Beijos e uma boa semana pra voce
Luciana
Na teoria concordo. Na prática infelizmente não é tão simples.
Ceder é o melhor caminho.
Também não ligo para TV. Gosto de alguns programas ai acho bom conseguir ver.
Beijinhos
Lucia
Lisa
Também gosto do humor do Luiz.
Acho perfeita a sua sugestão de mais de uma TV.
(muitos risos)
O que eu me ri com esta crónica. Comigo esse marcar de território não seria eficaz, Luz. Não estou nem aí para esse negócio de televisão. E depois, se quisesse ver algum programa, eu ia ver mesmo. Como? ah, vai, Luz... negociava com ela, ora. (mais risos)
Mike
E vc é bom negociador!
Só de ler já lhe entregava o controle...( muitos risos)!
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